terça-feira, 17 de maio de 2011

DADOS DO INE DESMENTEM JOSÉ MARIA NEVES


Um dos semanários impressos publicou, há dias, matéria sobre as verdades do desemprego em Cabo Verde. Liberal procurou um especialista na matéria e chegou a conclusões vergonhosas: o País tem um Primeiro Ministro que, propositadamente, mente aos cabo-verdianos. JMN deve pensar que os cabo-verdianos são todos uma cambada de estúpidos e ignorantes. O Primeiro Ministro, com a complacência do INE, não tem pejo em inverter completamente a verdade. Transforma o aumento do desemprego em diminuição do desemprego e, ufanamente, convoca a imprensa para se gabar: “diminui o desemprego”. Simplesmente vergonhoso. Liberal abre o debate e espera que especialistas defensores das posições de José Maria Neves tenham a coragem de aqui publicarem as suas posições, demonstrando o contrário do que aqui denunciamos para o bem de Cabo Verde e dos cabo-verdianos

Praia, 16 Maio 2011 - José Maria Neves exultou quando o Instituto Nacional de Estatísticas publicou os resultados do desemprego obtidos no Censo 2010. A taxa de desemprego apresentada pelo INE, 10,7%, foi considerada extraordinária pelo primeiro-ministro que se vangloriou da (pretensa) grande diminuição do desemprego protagonizada pelo seu governo.
A verdade verdadeira é que JMN esqueceu-se de dizer duas coisas:
PRIMEIRO, que a tão “extraordinária” diminuição do desemprego era, apenas e unicamente, o resultado da utilização de uma nova metodologia na definição do desemprego, METODOLOGIA ESSA QUE EXCLUI DO ROL DE DESEMPREGADOS AS PESSOAS QUE NÃO TÊM TRABALHO E QUE DESISTIRAM DE PROCURAR UM EMPREGO. Ou seja, a nova abordagem deixa de fora a maior parte dos desempregados (voltaremos a este assunto mais adiante).
A SEGUNDA coisa que o primeiro-ministro se esqueceu de dizer é que aplicando a nova metodologia aos dados do desemprego de 2000, e comparando com 2010, resulta não uma diminuição do desemprego mas UM AUMENTO DE 58% NO NÚMERO DE DESEMPREGADOS E O AGRAVAMENTO DE 24% NA TAXA DE DESEMPREGO. Ou seja, o primeiro-ministro diz exactamente o contrário da verdade dos números.
A comparação a que nos referimos foi feita pelo próprio INE, no quadro que a seguir se apresenta (pena é que na apresentação pública dos dados do Censo, o INE se tenha “esquecido”, propositadamente, de apresentar o quadro comparativo, para melhor esclarecimento do público).
JOSÉ MARIA NEVES PENSA QUE OS CABO-VERDIANOS SÃO TODOS ESTÚPIDOS
QUADRO 1 - População activa de 15 anos ou mais de idade por sexo segundo a situação perante a actividade económica, INE, Censo 2000-2010

Fonte: INE
Fonte: INE

Da leitura do quadro (vd últimas duas colunas da direita) resulta claro que o número de desempregados, na nova metodologia do INE, era de 13.393 no ano 2000 e 21.168 em 2010. Portanto, o número de desempregados AUMENTOU de 7.775 pessoas, ou seja mais 58%. A taxa de desemprego, com base na mesma metodologia, passou de 8,6% em 2000 para 10,7% em 2010, um AUMENTO de 2,1 pontos percentuais, ou seja, 24%. Por ironia, o famoso objectivo de colocar o desemprego abaixo de 10% foi atingido desde o ano 2000, se os dados forem trabalhados com base na nova abordagem do INE. Recorde-se que, pela metodologia antiga, a taxa de desemprego em 2000 era de 17,3% e a de 2009 era de 20,9% (dados do INE).
Que conclusão se pode extrair? É que, mais uma vez, o primeiro-ministro pensa que somos todos estúpidos e ignorantes, e que não tem pejo em inverter completamente a verdade. O aumento do desemprego é “transformado” em diminuição do desemprego. O agravamento da taxa de desemprego é “transformado” em redução da taxa de desemprego.
Como é que o INE conseguiu a façanha de colocar o desemprego a níveis tão baixos (e politicamente convenientes) e diferentes dos que se obtêm utilizando a anterior metodologia? Retomando o que acima foi dito, o INE consegue esse resultado excluindo do rol de desempregados as pessoas que não têm trabalho e que desistiram de procurar um emprego. Essas pessoas deixaram de ser consideradas desempregadas e passaram a integrar o exército da população inactiva, como se tivessem menos de 15 anos de idade, ou fossem reformadas, ou incapacitadas ou estudantes, o que na realidade não são. Pelo contrário, são pessoas em idade de trabalhar mas que por razões que se prendem com a desorganização e imaturidade próprias do nosso mercado de trabalho, sentem-se desencorajadas e não tomam a iniciativa de procurar trabalho. Para ilustrar a forma como o INE chegou aos resultados que constam do quadro anterior, veja o leitor a aritmética do quadro 2, aplicada aos dados de 2000 (Obs: o nº de inactivos foi ajustado com + 2.636, para igualar a população real de 2000, que difere do número que se obtém somando as duas parcelas na coluna correspondente do quadro 1).
QUADRO 2

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O INE retirou 16.195 desempregados reais, contabilizados como tal no censo 2000, e “transformou-os” em população “inactiva”, que não conta para o cálculo do desemprego. Efectivamente, a taxa de desemprego é a razão entre o número de desempregados e a população activa (população empregada + população desempregada, com 15 anos e mais de idade). A população activa (o denominador) diminuiu (-9%), mas o numerador (nº de desempregados) diminuiu proporcionalmente muito mais (- 55%). Consequentemente, a taxa de desemprego “diminuiu” em relação à taxa calculada com a abordagem antiga.
Donde surgiram os 16.195 desempregados de que o INE se desembaraçou? Veja o leitor a aritmética do quadro 3.
QUADRO 3 – Desemprego no censo 2000, segundo nova e antiga definição, População activa de 15 anos de idade e mais

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O quadro acima mostra que o INE considera como desempregados apenas os que estão à procura de primeiro emprego e os que procuram um novo emprego. A maioria dos desempregados, (15.913+282 =16.195) 54% do total, que desistiu de procurar emprego, já não entra na conta dos desempregados, passando a engrossar as fileiras dos “inactivos”.
O mesmo método foi utilizado em relação aos dados do Censo 2010, única forma de justificar a taxa de 10,7% apresentada pelo INE. Aliás, a comparação feita pelo próprio INE (vd quadro 1), confirma essa afirmação.
Mera operação de secretaria, sem correspondência com a realidade da vida e do desemprego no país, mas que é politicamente conveniente. Soa bem dizer que o desemprego é de 10,7%, quando na realidade, admitindo-se que a proporção dos desempregados desencorajados de procurar trabalho se mantém ao mesmo nível de 54%, a taxa real de desemprego é da ordem dos 21% para um total de cerca de 46 mil desempregados. Essa taxa real de desemprego é praticamente idêntica à que foi calculada com a metodologia antiga pelo próprio INE (20,9%) no inquérito ao emprego efectuado em Dezembro de 2009, seis meses antes da data do censo 2010.
Compete ao INE demonstrar que este raciocínio está errado. Basta que publique os números reais de desempregados (todos os que no censo 2000 declararam estar sem emprego) e faça o cálculo do desemprego como sugere o BIT para os países com mercado de trabalho pouco estruturado, como é o caso de Cabo Verde. Eis o que diz o BIT sobre o assunto, citação retirada do documento “Considerações sobre a nova abordagem da mediação do emprego em Cabo Verde” da autoria do INE “Nas situações onde os meios convencionais de procura de trabalho são pouco apropriados, onde o mercado de trabalho não é organizado ou de alcance limitado para a procura, onde a absorção da oferta do trabalho é, no momento considerada insuficiente, onde a proporção da mão-de-obra não assalariada é importante, a definição standard (Sentido Restrito) do desemprego pode ser utilizada sem o critério da “procura de trabalho” (sublinhado nosso). ”. Esta é uma descrição precisa da situação do mercado de trabalho em Cabo Verde. Para nos convencermos disso, socorramo-nos de dados publicados pelo próprio INE aquando a publicação dos resultados do inquérito ao emprego de 2009 (Maio de 2010). Por aí ficamos a saber que os empregos informais representam 76% do total e que 62 % dos empregos estão localizados em empresas informais e agregados familiares. Sem contar com a desorganização do mercado do trabalho de Cabo Verde que não permite avaliar convenientemente as iniciativas de procura de trabalho por parte dos desempregados. Em vez de proceder como sugere o BIT, o INE faz exactamente o contrário, como se o nosso mercado de trabalho fosse tão organizado e estruturado como o mercado de trabalho dos países mais desenvolvidos. Ao menos publicasse juntamente com os resultados da nova metodologia, os resultados do desemprego utilizando a metodologia antiga. Pouparia aos cabo-verdianos as pomposas e desonestas declarações de JMN sobre a pretensa redução do desemprego.

1 comentário:

  1. "Criol de Mindelo", seja sério, e confronta os especialistas do INE e do Governo. "Criol de Mindelo" e Blú.
    Atenção concordo com a tua análise já não com as conclusões.
    Torna-se por demais evidente que face a contestação dos n.ºs obtidos cabe ao INE faze a comparativa das Taxas de Emprego e Desemprego entre as duas séries.

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